O Mito da Criação é um dos temas que mais me chama atenção nas mitologias. Entender como diferentes culturas enxergam o surgimento do mundo, do seu mundo, é tão fantástico quanto inusitado. A Cosmogonia, ou o surgimento do universo, é uma marca repetida e bem estruturada em quaisquer civilizações, e por mais que possa ser entendida por muitos como uma simples tradução lógica para fenômenos que os antigos ainda não tivessem conhecimento científico suficiente para elucidar, ela ganha forma e se esgueira pelos mais diversos rincões da humanidade, estando ainda presente nas religiões atuais que galgam a fé dos homens.
Na Gênesis da cultura judaico-cristã, o mundo em que vivemos e a nossa raça se forma pela vontade de um único deus, O Deus, a quem tudo e todos devem pelo simples fato de existir. Para os antigos nórdicos, tal início não fora assim tão distinto, embora para as culturas politeístas, esse nascimento universal costume ser muito mais drástico e complexo do que fora para o nosso comumente seguido monoteísmo cristão, como poderemos ver a seguir.
No início, só havia o Caos, o vazio primordial, literalmente falando. Apenas dois locais tomavam forma, separados por um colossal e tenebroso “nada”, o Ginnungagap, tão grande que se dizia serem necessários sete dias e sete noites para que fosse cruzado em queda livre. Acima do mesmo ficava Musspelheim, o Reino do Fogo, e abaixo, Niflheim, terra da escuridão eterna e da névoa gélida. Primeiramente, conforme o ar gelado de Niflheim subia, um monstruoso bloco de gelo acabou se formando no Ginnungagap, e aos poucos, enquanto o ar quente do Reino de Fogo descia, fez com que tal bloco se derretesse, fazendo surgir de dentro um colossal gigante, de nome Ymir. Ele fora o primeiro gigante, e ainda de seu corpo, outro poderoso ser se formara, de nome Thrudgelmir, que seria o ancestral de todos os futuros inimigos dos deuses.
Todavia, Ymir não fora o único ser que surgiu do gelo derretido. Outra criatura formidável também despertara, embora não fosse algo tão chamativo quanto ele. Audhumla era o seu nome, e ela era nada mais nada menos que uma... Vaca. Sim, uma vaca, sem grandes capacidades especiais, que não fossem seu prosaico tamanho e seu leite sagrado, que corria de suas tetas como quatro grandes rios, alimentando Ymir. Como se isso já não fosse algo diferenciado, Audhumla tinha um vício: lamber gelo. Este hábito era o que a alimentava, e ao fazê-lo, fez com que outro ser surgisse de dentro do bloco congelado: Buri, o primeiro dos deuses, nascido após três dias de alimentação da vaca. Para finalizar este ciclo de estranhezas, Buri gerou um filho de nome Bor, e assim que se viram, pai e filho resolveram combater os gigantes, nascendo o ódio eterno entre as raças.
A primeira grande guerra do mundo novo iniciou-se, sem, contudo, algum dos lados terem supremacia sobre o outro. Vale-se ressaltar, no entanto, que não obrigatoriamente deuses e gigantes seriam apenas inimigos. Foi comum no início que as raças se unissem, e exatamente de uma união entre Bor, filho de Buri, e Bestla, uma giganta, que surgiram os três seres que mudariam o rumo da guerra: Vili, Vé e Wotan, também conhecido como Odin. Com a união dos novos filhos e o poderoso pai, os deuses puderam então derrotar o gigantesco Ymir. O sangue que jorrou de seu corpo inundou o mundo, matando todos os demais de sua espécie, com exceção de um casal, Bergelmir, filho de Thrudgelmir, e sua esposa, que se refugiaram em Jotunheim, nova terra dos gigantes, onde gerariam toda a futura raça de gigantes de gelo que combateria a descendência de Odin (podemos ver aqui que o fim do mundo provocado por uma enchente não é assim uma ideia tão única quanto o cristianismo algumas vezes nos tenta fazer crer).